quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Sentença da Justiça Federal altera funcionamento dos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente

Sentença judicial promulgada no mês passado anula dois artigos – 12º e 13º – da Resolução 137 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). Com isso, foram excluídos pontos polêmicos da resolução que dispõe sobre os parâmetros para a criação e o funcionamento dos Fundos Nacional, Estaduais e Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Fonte: VIA blog www.viablog.org.br

segue abaixo conteúdo da sentença:

PCTT 96.000.02


SENTENÇA Nº :375/2011 - A

PROCESSO :33787-88.2010.4.01.3400

CLASSE 7100 :AÇÃO CIVIL PÚBLICA

AUTOR :MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

RÉU :UNIÃO FEDERAL


SENTENÇA


Cuida-se de ação civil pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra a UNIÃO FEDERAL, em que objetiva seja declarada a nulidade dos artigos 12 e 13 da Resolução CONANDA nº 137/2010 e, consequentemente, seja declarada a nulidade de todos os atos que permitiram a captação direta por particulares de recursos do Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente ou que permitiram ao doador determinar a destinação daqueles recursos.

O Ministério Público Federal insurge-se contra a autorização dada pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA às pessoas físicas ou jurídicas privadas que efetuam doações ao Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente, que, após a edição da indigitada resolução, passaram a ter ingerência na destinação dos recursos doados.

Assim, o Ministério Público Federal sustenta que “a forma como disciplinada a captação direta de recursos para os Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente, bem como a faculdade de o destinador de recursos indicar o projeto a ser financiado com verba pública, mostram-se eivadas de ilegalidades” (fl. 07).

Instruem a inicial os documentos de fls. 24/343.

Em cumprimento ao art. 2º da Lei nº 8.437/92, a União Federal se manifestou às fls. 349/370.

O pedido liminar foi indeferido (fls. 401/403).

Em sua contestação (fls. 410/449), a União Federal sustenta que o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA está legalmente autorizado a eleger os critérios de utilização dos recursos doados por particulares.

Réplica às fls. 453/455.

É o relatório.

DECIDO.

Em face da incidência do artigo 330, I, do Código de Processo Civil, impõe-se o julgamento antecipado da lide.

O cerne da presente lide é o exame da legitimidade dos artigos 12 e 13 da Resolução CONANDA nº 137/2010, sob a ótica do princípio da legalidade.

Assim dispõem os referidos dispositivos normativos:

Art. 12. A definição quanto à utilização dos recursos dos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente, em conformidade com o disposto no artigo 7o, deve competir única e exclusivamente aos Conselhos dos Direitos.

§ 1º Dentre as prioridades do plano de ação aprovado pelo Conselho de Direitos, deve ser facultado ao doador/destinador indicar, aquela ou aquelas de sua preferência para a aplicação dos recursos doados/destinados.

§ 2º As indicações previstas acima poderão ser objeto de termo de compromisso elaborado pelo Conselho dos Direitos para formalização entre o destinador e o Conselho de Direitos. (grifos não originais).

Art. 13. Deve ser facultado ao Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente chancelar projetos mediante edital específico.

§ 1º Chancela deve ser entendida como a autorização para captação de recursos aos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente destinados a projetos aprovados pelos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente, segundo as condições dispostas no art. 9º desta Resolução.

§ 2º A captação de recursos ao Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente, referida no parágrafo anterior, deverá ser realizada pela instituição proponente para o financiamento do respectivo projeto.

§ 3º Os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente deverão fixar percentual de retenção dos recursos captados, em cada chancela, de no mínimo 20% ao Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente.

§ 4º O tempo de duração entre a aprovação do projeto e a captação dos recursos não deverá ser superior a 2 (dois) anos.

§ 5º Decorrido o tempo estabelecido no parágrafo anterior, havendo interesse da instituição proponente, o projeto poderá ser submetido a um novo processo de chancela.

§ 6º A chancela do projeto não deve obrigar seu financiamento pelo Fundo dos

Direitos da Criança e do Adolescente, caso não tenha sido captado valor suficiente. (grifos não originais).

De início, é preciso frisar que os recursos doados têm natureza pública, visto que derivam de renúncia fiscal, como se observa da dicção do art. 260 da Lei nº 8.069/90:

Art. 260. Os contribuintes poderão deduzir do imposto devido, na declaração do Imposto sobre a Renda, o total das doações feitas aos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente - nacional, estaduais ou municipais - devidamente comprovadas, obedecidos os limites estabelecidos em Decreto do Presidente da República. (Redação dada pela Lei nº 8.242, de 12.10.1991)

(...)

§ 2º Os Conselhos Municipais, Estaduais e Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente fixarão critérios de utilização, através de planos de aplicação das doações subsidiadas e demais receitas, aplicando necessariamente percentual para incentivo ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente, órfãos ou abandonado, na forma do disposto no art. 227, § 3º, VI, da Constituição Federal. (grifos não originais)

E, da simples leitura do dispositivo supra, forçoso concluir que, muito embora a lei tenha conferido aos Conselhos da Criança e Adolescente a prerrogativa de fixar os critérios de utilização dos recursos, em nenhum momento autorizou a participação de particulares na gestão dos recursos dos Fundos da Criança e do Adolescente.

Ao contrário, o próprio caput do art. 12 da Resolução atacada, acima transcrito, afirma que “a definição quanto à utilização dos recursos dos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente, em conformidade com o disposto no artigo 7o, deve competir única e exclusivamente aos Conselhos dos Direitos”, mas, contraditoriamente, estabelece hipóteses de participação de particulares na gestão de tais recursos.

Assim, está claro que o Administrador desbordou dos limites do poder regulamentar, efetuando inovação no ordenamento jurídico pátrio por meio de simples resolução, dando destinação duvidosa a recursos públicos.

O princípio da legalidade estrita foi, portanto, inegavelmente violado na espécie.

No entanto, impõe-se a modulação dos efeitos desta decisão, visto que o Ministério Público Federal pretende, além da declaração de nulidade dos artigos 12 e 13 da Resolução CONANDA nº 137/2010, o reconhecimento da nulidade de todos os atos decorrentes da aplicação desses artigos.

Ora, a imediata interrupção de todas as iniciativas baseadas na indigitada Resolução teria o condão de prejudicar as crianças e adolescentes beneficiadas pelos projetos que estão em andamento.

Nesse sentido, Zavascki adverte:

"Com efeito, não é nenhuma novidade, na rotina dos juízes, a de terem, diante de si, situações de manifesta ilegitimidade cuja correção, todavia, acarreta dano, fático ou jurídico, maior do que a manutenção do status quo. Diante de fatos consumados, irreversíveis ou de reversão possível, mas comprometedora de outros valores constitucionais, só resta ao julgador – e esse é o seu papel – ponderar os bens jurídicos em conflito e optar pela providência menos gravosa ao sistema de direito, ainda quando ela possa ter como resultado o da manutenção de uma situação originariamente ilegítima. Em casos tais, a eficácia retroativa da sentença de nulidade importaria a reversão de um estado de fato consolidado, muitas vezes, sem culpa do interessado, que sofreria prejuízo desmensurado e desproporcional". (ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 49-50).

Dessa forma, o provimento judicial buscado nesta ação deve ter efeitos apenas ex nunc.

Ante o exposto, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido para declarar a nulidade dos artigos 12 e 13 da Resolução CONANDA nº 137/2010 e determinar que o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente se abstenha de disciplinar a distribuição de recursos dos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente por meio de captação direta de recursos por particulares ou por meio de doações vinculadas até que sobrevenha autorização veiculada em lei formal, mantendo, contudo, todos os atos praticados por aquele Conselho que tenha por fundamento a mencionada Resolução até a presente data.

Diante desse desate e considerando a possibilidade de prejuízo aos cofres públicos e ao sistema de proteção aos direitos da criança e do adolescente, REVOGO a decisão de fls. 401/403 e DEFIRO EM PARTE o pedido de liminar, para determinar a suspensão imediata da eficácia dos artigos 12 e 13 da resolução CONANDA nº 137/2010, ressalvados os projetos em andamento, nos termos desta sentença.

Sem custas e honorários.

Sentença sujeita ao duplo grau de jurisdição (aplicação analógica do artigo 19 da Lei nº 4.717/65).

Intimações necessárias.

Brasília, 09 de setembro de 2011.

RAQUEL SOARES CHIARELLI

JUÍZA FEDERAL SUBSTITUTA DA 21ª VARA

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